quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

TOLERÂNCIA NA FORMAÇÃO DOS MECANISMOS DA INVEJA


 Sebastián de Covarrubias,
“ A inveja”, gravura, Século XVI

Um rapaz apaixonado trata com a nova namorada um jantar para sábado à noite. Passará para pega-la às 20 horas. Ao chegar pra buscá-la, no dia e horário combinados, o rapaz depara-se com um recado da criada para que aguarde até que a moça termine de se arrumar. O rapaz apaixonado, então, passa a esperar pacientemente. Espera por aproximadamente cinquenta minutos. Nesse período pensamentos e imaginações se movimentam e disputam lugar no interior de sua mente, assim como as cores do semáforo que o jovem assiste mudar inúmeras vezes no cruzamento mais próximo, enquanto aguarda. O moço que construíra expectativas de um “encontro perfeito”, cheio de entusiasmo, se vê agora a quase uma hora esperando. Durante esse tempo cada pensamento criativo de uma noite romântica como, nome de um restaurante preferido, prato predileto, vinho branco e proposta para se estenderem noite adentro, são conflitados pelas imaginações geradas a partir da duvida do amor da moça, que, agora já o faz esperar por uma hora. Ele imagina então: “Como me faz esperar tanto?”, “Como posso me permitir ser desprezado assim?”, “E toda atenção que investi nela?”, e por fim “Me sinto um idiota”.

Melanie Klein (1882 - 1960)
Deixemos o rapaz que já aguarda enfurecido por alguns instantes e pensemos agora em um bebê que começa a perceber a satisfação que traz o seio da mãe. Descobre como é prazeroso o conforto de seu colo e a proteção desta que muitas vezes não pode atendê-lo de imediato. A capacidade de tolerar esse período de espera (momento entre o desejo até a chegada do seio) é na psicanálise – sobre tudo a partir dos estudos de Melanie Klein (Viena, 30 de março de 1882 - Londres, 22 de setembro de 1960) em (Inveja e Gratidão, Estudo das Fontes do inconsciente, Imago, 1974) – um fator decisivo no desenvolvimento dos mecanismos formadores da inveja. É como se o outro (nos exemplos a cima, a mãe - namorada) estivesse de posse de partes do “eu” (bebê-rapaz apaixonado). Deste modo: “como posso viver sem o outro?”. A partir desse vértice, a gênese da inveja estaria nisso que o outro tem e que o “eu” não vive sem. É útil nos lembrarmos que a paixão é amor sem verdade, onde o outro tem a posse do “eu”. “Ele é tudo pra mim, logo sou nada sem ele.”
Voltemos ao paciente rapaz, que agora espera a mais de uma hora a vaidosa moçoila que ainda se encontra em frente ao espelho escovando suas longas e alouradas madeixas. O período de espera pode se tornar um lugar propicio para ataques à imagem idealizada da moça, assim como, da proposta de uma noite romântica. Dessa forma, quando a moça, muito bem vestida, penteada, maquiada e cheirosa, chegar, pode encontrar um rapaz enfurecido e ávido por retribuir vingativamente todo desconforto da longa espera. Da mesma maneira o seio nutridor da mãe pode ser recebido, depois de longa espera, com uma mordida. A idealização é seguida pela destruição do objeto antes adorado.


Ilustração de Gustave Doré (1832 – 1883)
- Divina Comédia, Dante Alighieri (1265 – 1321)


Isso implica diretamente na capacidade de simbolizar. A saber; simbolizar é a capacidade de sentir a presença mesmo na falta, através de uma imagem internalizada. Quando essa capacidade é de alguma forma comprometida, a falta é preenchida por ideias destrutivas.
No desenvolvimento da vida emocional do bebê, a entrada do pai é experimentada por um impacto que é sentido com um novo modelo, o ciúme. Esse novo sentimento inclui mais alguém na relação que até então era entre dois, mãe-bebê. Nesse triângulo é onde ocorre a formação do que Sigmund Freud (1856-1939), utilizando-se do mito de Sófocles, e chamou de Complexo de Édipo, mas que não pretendo me aprofundar nesse texto. 
Édipo e a esfinge (Oedipus et Sphinx),
1808, pintura de Jean Auguste Dominique Ingres;
Paris, França.
Contudo, o ciúme pode ser oportunidade de experiência tanto como uma evolução emocional em direção a realidade, por compreender alguém mais na relação mãe e filho, quanto um risco de regressão a antigos conflitos mais primitivos. Quando a inveja do seio e da satisfação que este traz, é algo de acentuação extrema, a entrada do pai na relação é recebida de uma forma diferente. O que se deseja não é o amor do pai, mas a disputa da posse deste com a mãe. Desta forma, na menina, por exemplo, pode estar se estabelecendo um protótipo de relações subsequentes, onde cada sucesso em direção aos homens passa a ter a importância de um triunfo sobre outra mulher.




Prof° Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866    
renatodiasmartino@hotmail.com
 http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

Um comentário:

Jacqueline Ferreira disse...

Fico querendo saber o que acontece quando se chega a ter a consciência de que repetimos padrões antigos ou inconscientes. Fazemos, pensamos, agimos, sem nos dá conta de onde surgiu tudo o que somos. O que a gente faz com o que fazem da gente?