quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O Conceito de Felicidade



Já tivemos a oportunidade de ensaiarmoscogitações sobre a felicidade e as possíveis maneiras de nomeação dessa experiência emocional. Entretanto, sendo esse um tema de extensão interminável e que demanda de reflexão constante, me proponho a um novo olhar, bem norteado pela direção proposta no primeiro ensaio.

A ciência do comodismo é algo que tem encontrado grande demanda nesses tempos contemporâneos. Aquela pesquisa que se iniciou com o intuito de livrar do mal que poderia estar impedindo o sujeito de caminhar e realizar sua vida, agora está também a serviço de uma intolerância aos desequilíbrios da vida humana.

O extremo medo de um possível desequilíbrio tem permeado as escolhas do sujeito atual, amiúde tem buscado certa perfeição de bem estar. A psiquiatria, área da medicina que até então tivera o intenção do diagnosticar e o acompanhar tratamento medicamentoso de uma suposta patologia mental, hoje também está à serviço de uma normatização do humor humano, numa estética idealizada de como o sujeito deveria se sentir ou se comportar. Aquele que não se adéqua a essa normalidade esperada é simplesmente excluído. Excluído ate que seja devidamente diagnosticado e enquadrado nos compêndios psiquiátricos e então retorne com um rotulo muito bem definido.

A partir de articulações como essa o sujeito contemporâneo cria seus conceitos e ideais de felicidade. Ora, não estaria equivocado se afirmasse que tanto a idealização de um padrão de felicidade, quanto a busca de um modelo de felicidade plena, em qualquer coisa que seja, pode ser algo perigoso, sobretudo quando nunca se conseguiu arranjar, de outra maneira, qualquer experiência que possa levar o nome de felicidade.

Isso sempre tendo em mãos o conceito de que certo estado de espírito denominado felicidade se torna questionável se realmente existe de outra forma que não seja por períodos breves. E ainda, se não for constantemente nutrido, tende a ir desaparecendo. Parece-me que felicidade e durabilidade são dois conceitos que vivem se desencontrando. Penso que, se existe algo que merece ser chamado de felicidade, talvez seja um conceito que defina um estado de espírito extremamente incerto, indefinível de forma racional.

Sendo assim, é algo que brota de dentro e encontra extrema dificuldade em se vincular com aquilo que está fora, ao ponto de estabelecer de linguagens racionais. Assim, a felicidade é sempre o resultado da atividade criativa e se isso for verdade, então a felicidade passa a ser uma criação humana. Não existirá se não a criarmos. A felicidade é filha da criatividade, sem uma a outra nunca será gerada e dificilmente permanecerá. Além disso, não me parece possível ser feliz com a criatividade do outro.

Sigmund Freud (1856-1939)
Tendo como base aquilo que pudemos ver até esse ponto do ensaio, me parece então, que na verdade, não se pode “ser” feliz, mas, é possível nos encontrar no “estado de felicidade”. Para Sigmund Freud (1856-1939) a busca pela felicidade contrapõe a busca pela maturidade emocional. O pai da psicanálise propõe que somente a realização de um desejo infantil é capaz de proporcionar a felicidade. Ainda para Freud, isso que chamamos de felicidade é um exercício pessoal, onde nenhuma sugestão externa é apropriada. Cada um de nós deveria buscar, por si.

“Fazendo uma breve piadinha: parece que a felicidade é igual aquela frase usada nos cartões de crédito, “individual e intransferível”. Dessa forma parece possível que você seja capaz de ajudar o outro a encontrar a felicidade dele, contudo, não será necessariamente a sua. Muitas vezes, a sua felicidade pode até estar muito próxima da tristeza do outro.” (Martino. R.D. – Inteligência Três, S. J. R. Preto – 2011)       

Longe aqui da tentativa infecunda de indicar um caminho a seguir, ou aconselhar o leitor, mas, se a proposta é vivermos tendo, pelo menos certa consciência da realidade, devemos admitir em nossas vidas certa dose de felicidade, assim como a mesma porção de tristezas. Responsabilizando-nos por nossa própria tristeza, retiramos das mãos do outro, ou de qualquer que seja o agente externo, a tarefa de nos fazer felizes.

Dessa forma, todas as pesquisas contemporâneas na busca pela receita da felicidade, sejam elas aplicadas através da literatura de auto-ajuda, ou mesmo na proposta da dita “psiquiatria estética”, são grandes ilusões que guardam a perigosa característica do comodismo. Isso se não incluírem como fator básico, a capacidade de reconhecer e responsabilizar-se pelas tristezas que jazem na alma de cada um de nós.

Dentro de uma perspectiva calcada na busca pela consciência do verdadeiro eu, assim como do reconhecimento da parte falsa e sua ligação com o mundo que nos cerca, não podemos conceber a existência de certos medicamentos, palavras, ou o recurso que seja, que possa apagar a história triste que o sujeito tenha em sua vida. Assim, não me parece absurdo propor que a felicidade só pode ser realmente experimentada depois de o sujeito se responsabilizar pela possível história triste de sua vida.

Nossa mente trabalha por estar insatisfeita, buscando através do pensamento referencias no mundo, isso nos qualifica afirmar que só pensamos enquanto infelizes. O bebê aprende a pensar quando a mãe (que uma vez que tenha sido suficientemente boa) não pode atendê-lo de imediato e assim ele sente sua falta. Por outro lado a mente tende a relaxar seu funcionamento quando satisfeita, depois da mamada o bebê adormece tranquilo. Então, se concordamos nesse ponto, aquele que encontra a felicidade plena deve ter seu funcionamento mental extremamente limitado e sua capacidade de pensar reduzida.

No entanto, essa verdade fica muito complicada aplicada num mundo contemporâneo cheio de convites para satisfação imediata e receitas de felicidade plena, como é no nosso tempo. Uma sociedade onde o sujeito entristecido é muito malvisto. Convites esses que só fazem afastar o sujeito mais e mais do verdadeiro contentamento e coloca a parte triste de cada um de nós escondida do mundo.

Dessa forma, a partir da proposta de reflexão dedicada à felicidade podemos dizer que nada que é real pode trazer certa fonte inesgotável de felicidade, no entanto a felicidade quando realizada, é o resultado de ações e construções que tenham proporcionado uma melhor adequação quanto ao verdadeiro eu e em consequência disso, a melhor adequação no mundo. O verdadeiro contentamento não pode existir se não construído sem pressa, distante de certa pretensão de resultado. 

-- 

Prof. Renato Dias Martino 
Psicoterapeuta e Escritor
São José Do Rio Preto - SP
Fone: 17-30113866 
renatodiasmartino@hotmail.com

Nenhum comentário: