quinta-feira, 30 de maio de 2013

Vínculo bem dito



Alguém só pode ser humano no contato com outro humano. É no campo dos vínculos que podemos manifestar ou falhar, em expressar a humanidade. Em primeiro momento só nos aproximamos do outro se com ele nos identificamos. A primeira aproximação é muito mais por aquilo que esperamos ou imaginamos que o outro seja, do que por aquilo que ele realmente é. Até por que, teremos que percorrer um longo caminho cheio de ameaças para conhecer realmente a nós mesmos, quanto mais, ao outro em sua realidade.
Esse campo do reconhecimento, no processo de vinculação, está repleto de movimentos emocionais que em sua maioria temos pouco controle. 
A emoção gerada no encontro com o outro sugere insegurança ou um vazio do (vir a ser), em outras palavras, aquilo que se refere ao que podemos esperar da união que se pronuncia.
Neste processo, naturalmente criamos ideias, que aos poucos se manifestam como comportamento, dos quais tendem a repetir padrões de relacionamentos que tivemos com nossos pais (família de origem) ou até mesmo um modelo de relação que imaginamos ter existido entre eles.
Sempre que nos ligamos a pessoas novas, trazemos para essa relação resquícios de relações antigas. Modelos de funcionamento vividos anteriormente. 
Relações passadas que deixaram um rastro obscuro, onde se encontrou muito pouco, ou nem um espaço para introdução de afeto, sinceridade e respeito. Vínculos que, de certa forma, foram mal elaborados. Não houve experiência afetiva suficiente para que se guardasse uma imagem boa da relação.
Isso é o princípio do mecanismo da transferência que Freud falava. É nesse nível que atua a psicanálise. Freud escrevera sobre a memória do amor perdido, inexoravelmente buscado em novas afinidades. Como se tentasse construir uma história onde de alguma forma já se soubesse o desfecho.
Assim, agimos com apoio da memória. O conteúdo da memória não passa de uma impressão do passado. É difícil de perceber e ser compreendido realmente ou de forma ampla. E, quase inadequado para usarmos no hoje, a capacidade de apreender o que acontece no presente fica danificada. Um modelo baseado em estereótipos, ou seja, em ideias antecipadas de modelos de pessoas e coisas, que nos condena a viver cada nova experiência como se fosse uma repetição de algo que ficou no passado.
Tentaremos por nossa vida toda elaborar faltas, que experimentamos em nossa vida. Um espírito saudável tentará viver o que se precisa experimentar.
Assim, a capacitação do ego é indispensável. Quanto maior a capacidade de tolerância do vazio, que fica entre a relação antiga, e a nova vinculação, maior a possibilidade de transformação da verdade e geração do novo. Capacidade de vivenciar o luto daquilo que foi perdido, sem que isso implique na perda do eu. Quando
o objeto amado se vai o que fica é aquilo que falta em nós mesmos. Um ego forte é construído pela capacidade de estabelecer vínculos. É daí que o ego se nutre.
Um ego fortalecido é o equivalente ao nível de auto-estima, é literalmente, o valor que se dá a si mesmo, e aqui falo daquilo que se “é” e não do que se “tem”.
Cabe aqui uma brincadeira, que é muito mais séria que se possa pensar. O problema maior é a “Familite Aguda”, ou seja, quando nos prendemos na relação com nossos
pais. Quando não aceitamos que somos o terceiro excluído no amor entre eles. E, de tal modo, ocupamos nossas vidas com aquilo que passou, impedindo nosso caminho rumo ao próprio destino de realizações no mundo.
Aqui é útil lembrar, que os pais (inseguros com sua própria auto-estima), muitas vezes, estimulam a produção desse visgo de culpas que, não permite ao sujeito se desvincular e viver a sua própria experiência.
Essa herança “maldita” não depende da presença física daquele que impede o desligamento, isso ocorre primeiro internamente, depois no mundo externo. Quando uso a expressão “maldita”, quero propor toda a ambiguidade que nela se encontra.
Assim, “maldita” por propor um destino negro, de amarras repletas de culpas, e também por se tratar de uma relação de pouca sinceridade, onde as palavras são sempre ditas de forma hostil e em suas metades, nunca de forma integral e verdadeira.


Capítulo do livro: MARTINO, Renato Dias. Para Além da Clínica - 1. ed. São José do RioPreto, São Paulo: Editora Inteligência 3, 2011.

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Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
São José Do Rio Preto - SP
Fone: 17-30113866

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